RIBEIRO, Maria Fátima Carrascoza Ruiz[2]
Resumo: O presente artigo propõe uma reflexão sobre a
abordagem da sexualidade no âmbito pedagógico, estabelecendo um parâmetro comparativo
entre os seus entraves e possibilidades significativas, fornecendo subsídios aos
educadores interessados no tema através da análise de metodologias e projetos
desenvolvidos pela autora desse artigo que obtiveram sucesso. Essa é uma
pesquisa participante e qualitativa, tendo como método de coleta de dados a entrevista
com cinco professores de uma escola estadual do interior do Estado de São
Paulo, na qual os resultados apontam o despreparo e a falta de subsídios
teóricos, apesar da “boa vontade” dos professores na abordagem do tema. Também
foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental, buscando na psicanálise
e na história da sexualidade fundamentações sobre a dinamicidade sexual,
servindo de pressuposto básico para o questionamento de tabus, preconceitos,
crendices e interditos que fortemente se acumulam sobre o tema. Nesta
insuficiência, considera-se extremamente necessário que o educador tenha acesso
às ferramentas didático-metodológicas para uma mediação significativa e
dialética do tema.
Palavras-chave: Sexualidade; Adolescência; Formação de professores;
Metodologias significativas.
INTRODUÇÃO
Dentro da dimensão humano-afetiva, a sexualidade há séculos instiga a
curiosidade humana. Desde a antiguidade alguns pensadores detiveram-se neste
tema, no entanto a vivência da sexualidade criou uma série de tabus e dogmas
influenciados pelas condições sociais, políticas, culturais e econômicas
formuladoras de padrões de saúde e de normalidade vigentes para determinado
período da história.
É um tema cheio de preconceitos, moralismos, dúvidas e de informações
incorretas, envolvendo muitas questões, dentre elas algumas de cunho religioso,
marcantes e conflituosas, fato que faz esse conteúdo, previsto tanto nos
Parâmetros Curriculares Nacionais como nos Temas Transversais da educação, ser
omitido em sala de aula e ignorado por uma grande maioria de educadores.
A necessidade da abordagem do tema no currículo escolar é pertinente
devido ao fato de o adolescente iniciar sua vida sexual cada vez mais cedo,
ficando mais exposto às vulnerabilidades, como: gravidez na adolescência,
práticas clandestinas de aborto, doenças sexualmente transmissíveis e possíveis
desvirtuamentos ético-morais na prática sexual.
Este panorama torna-se um agravante quando o adolescente que não possui
diálogo com a família, nem encontra apoio no quadro de professores despreparados
da sua escola, absorvendo informações do grupo de amigos e da mídia escrita e
falada, inicia uma vida sexual prematura, cheia de dúvidas e inquietações.
Para o adolescente não bastam explicações metódicas, numa concepção
médica ou biológica da sexualidade humana, mas sim que atenda a expectativa de
respostas aos seus anseios, de uma forma tranqüila a partir de uma dialética.
Como então abordar a sexualidade de uma forma significativa e suprir a
enorme carência de informações e recursos pedagógicos que possam orientar os
professores na orientação sexual dos educandos?
Os estudos teóricos realizados contribuirão para ampliar o conhecimento
do professor sobre o histórico da sexualidade e a busca por metodologias mais
reflexivas para que diversos tabus e preconceitos sejam superados. A análise
dos projetos desenvolvidos oferece sugestões de abordagem do tema de forma agradável
e eficaz, compreendendo o papel da escola como entidade social formadora do
cidadão crítico e consciente de suas atitudes e opções.
HISTÓRICO DA SEXUALIDADE HUMANA
Embora nas últimas décadas tenha-se vivido momentos de maior liberalidade
em relação ao assunto sexualidade, ainda fica difícil romper com ópticas
distorcidas, enraizadas ao longo das diversas culturas
e práticas sociais.
A sexualidade é interpretada de modo diferente por diversas culturas e
religiões, e o respeito a essa diversidade deve ser levado em consideração no
momento da abordagem do tema. Nisto, faz-se necessário o conhecimento da
história da sexualidade, suas abordagens e seus dogmas, o estudo de seu sentido
em cada cultura, fazendo um viés com a sociedade atual, considerando sua
evolução e analisando as diversas maneiras da expressão da sexualidade nos
meios em que se efetiva.
Cabral (1995) classifica a história de sexualidade em três linhas tênues
de ordem moral que se diferenciavam no que diz respeito aos valores de seu
tempo:
Sexo-procriação: Defendido por Aristóteles (Antiguidade) preocupado em
controlar a procriação, recomendando a anticoncepção e até o aborto.
Sexo-pecado: Pregado por Agostinho (Idade Média), em que o nível do
objetivo de Deus era o sexo sem paixão, sem prazer e só desta forma estariam
isentos do pecado, para Agostinho, todo mal vem do sexo, do corpo da mulher.
Sexo-prazer: Através de Freud (Idade Moderna) enfatizava que o
autoconhecimento favorecia uma vida saudável e mais feliz, impedindo angústias
e transtornos diversos.
Na antiguidade, os gregos tinham uma liberdade sexual muito grande e
separavam o “sexo-reprodução” do “sexo-prazer”; as esposas eram reprimidas,
submissas, sendo quase escravas domésticas. A idéia do sexo ligado ao prazer é
bem definida pelos gregos, sendo possível distinguir claramente o papel das
“esposas” e das “hetairas” [3].
A função das esposas era cuidar do lar e procriar, desassociadas do prazer
sexual e as hetairas eram exclusivamente para o prazer.
Segundo Catonné (1994), a mulher grega honesta era frígida por natureza,
sendo considerado anormal e até doente, as mulheres que sentiam prazer.
A cultura grega era considerada liberal, sádica e até cruel,
principalmente se levarmos em conta a forma da iniciação de seus filhos na
atividade sexual, através da prática da pederastia[4].
De acordo com Cabral (1995), a pederastia grega não dizia respeito à
homossexualidade entre adultos, fato que era considerado até ilegal. A única
forma aceita era a pederastia educacional, ou seja, um adulto assumir a
responsabilidade pelo desenvolvimento moral e intelectual de um rapaz através
da delicadeza, dedicação e amor, sendo este tema bastante polêmico e
interpretado de diferentes formas pelos pensadores modernos.
Assim como os gregos, os romanos também estabeleciam uma diferença brusca
entre o papel do homem e o da mulher na sociedade. Dentro das práticas sexuais
para os homens tudo era permitido, até o envolvimento com o mesmo sexo era
considerado normal, no entanto para as mulheres tudo era proibido e sublimado,
principalmente o prazer.
Durante a Inquisição, na Idade Média, período de conversão do Império
Romano ao Cristianismo, tudo que era relativo ao amor sexual era considerado um
amor inferior; neste período a sexualidade foi fortemente reprimida e
manifestações sexuais que não se enquadravam nos padrões determinados eram
punidas.
De acordo com Catonné (1994), Santo Agostinho pregava que o pecado se
transmite de geração a geração pelo ato sexual.
Este pensador diabolizava o sexo; dizia que o sexo sem paixão e sem
prazer era o objetivo de Deus e só assim estariam isentos do pecado.
Da mesma forma, Cabral enfoca as intervenções praticadas pela instituição
religiosa que direcionava a vida sexual dos casais.
Muitos teólogos cristãos recomendavam aos casados a
abstinência sexual nas quintas-feiras, em respeito à prisão de Jesus; nas
sextas-feiras, em louvor à sua morte; aos sábados, em homenagem à Nossa
Senhora; aos domingos, em honra à ressurreição e às segundas em memória aos
mortos. Só terças e quartas eram permitidas a relação, caso não coincidisse com
os dias de jejum e festas religiosas. Deveria abster-se também durante a
quaresma, Pentecostes, Natal, sete dias antes da comunhão, nos dias em que a
mulher estivesse menstruada e 40 dias após o parto (CABRAL, 1995, p.107).
Desta
forma, a religião controlou a prática sexual dos casais, definindo o que era
permitido na intimidade de ambos. Estas intervenções, traduzidas inclusive em
dogmas, como práticas pecaminosas favoreciam uma idéia perversa da sexualidade,
caracterizando a sensação de prazer
sexual como algo proibido e sujo, inadmissível para pessoas de boa índole.
Segundo Foucault (1988), o sexo foi convidado a se confessar, a se
manifestar, buscando o saber do sexo para o controle e docilização do indivíduo
e da população, sob a observância religiosa.
Os casais deveriam confessar o que
faziam na sua intimidade, as posições realizadas e até os pensamentos libidinosos,
transformando o desejo sexual em algo errado, que deveria ser confessado, e
que, se estivesse fora dos padrões estabelecidos, deveriam ser punidos por
duras penitencias.
Felizmente, a busca pelo conhecimento sobre a sexualidade humana continuou:
estudiosos pesquisaram o assunto, trazendo novas indagações, quebrando dogmas e
conceitos pré-estabelecidos, reformulando teorias; mas a sexualidade ainda
continua com muitas barreiras a serem transpostas e esta análise histórica é
fundamental para a compreensão de toda dimensão pedagógica que envolve a
temática da sexualidade, pois quem não conhece a História de sua cultura
certamente terá dificuldade de ler, interpretar e agir sobre a realidade.
A SEXUALIDADE DENTRO DE UMA PERSPECTIVA
PSICANALÍTICA
A psicanálise, através
dos estudos de Freud, veio romper barreiras e desmistificar conceitos, fato
pelo qual foi tão criticado em seus estudos e postulações de sua teoria sobre a
existência de uma sexualidade infantil, abrindo assim caminhos e inovando o
estudo da sexualidade humana.
De acordo com Freud (2006), fazia parte da opinião popular que a
sexualidade estava ausente na infância e iria se despertar apenas na puberdade,
criando assim um equívoco com graves conseqüências, responsável pela nossa ignorância
sobre as condições básicas da vida sexual.
Freud e suas descobertas sobre a sexualidade infantil provocaram grande
espanto na sociedade conservadora da época, pois até então a sexualidade era concebida
como algo pertencente apenas aos adultos; as crianças eram consideradas seres
desprovidos de sexualidade, símbolos de pureza e a ocorrência de qualquer
manifestação sexual era vista como algo excepcional e anormal.
Segundo Bock (2002), Freud classificou a sexualidade infantil em quatro
fases: oral, anal, fálica e de latência. As faixas etárias de cada fase não são
absolutas, mas aproximadas.
Fase Oral: Desde o nascimento até os primeiros meses, o prazer da
criança se concentra na região da boca. Enquanto é alimentada e saciada em sua
fome, ela também é acariciada e acalentada no colo da mãe, relacionando no
início o prazer ao processo de alimentação. O principal objeto de desejo nesta
fase é o seio da mãe.
Fase Anal: À medida que a criança cresce e começa a deixar as
fraldas, entre os 2 e 4 anos aproximadamente, ela começa a perceber que pode
ter controle sobre os esfíncteres anal e uretral, sendo o ânus a zona de maior satisfação, é esse controle proporciona uma nova fonte de
prazer.
Fase Fálica: Bem cedo, por volta dos três anos, a criança começa a
descobrir e explorar seus órgãos genitais é o período em que a criança se dá
conta de seu pênis ou da falta de um, evidenciando assim as diferenças sexuais,
estimulando a masturbação e brincadeiras sexuais.
Nesse período surge também o complexo de Édipo, no qual o menino passa a
apresentar uma atração pela mãe e se rivalizar com o pai; na menina ocorre o
inverso. Esta fase termina aproximadamente por volta dos seis anos.
Fase de Latência: A partir dos sete anos, época que antecede a
puberdade, ocorre um deslocamento da libido para as atividades sociais, como o
início da vida escolar e as demais atividades socialmente aceitas; seria como
se a sexualidade ficasse adormecida.
Fase Genital: É a fase final do desenvolvimento biológico e
psicológico e ocorre com o início da puberdade e da retomada de todo esse
instinto libidinal que estava adormecido. Nesta fase, os adolescentes buscam
satisfazer suas necessidades eróticas e sexuais e tentam administrar os
conflitos da adolescência e da perda da identidade infantil.
As contribuições de Freud para o entendimento da sexualidade humana foram
muito significativas, pois modificaram definitivamente a maneira de conceber a
sexualidade e suas formas de expressão, revolucionaram o pensamento de sua
época, descobrindo que a sexualidade é inerente ao ser humano e não pode ser
desassociada dos demais aspectos da vida.
A SEXUALIDADE HUMANA NO CONTEXTO ESCOLAR
A
escola tem a função de contribuir para a formação integral dos alunos, e neste
intuito, a educação voltada também para a sexualidade, faz-se imprescindível, por
se tratar de um aspecto importante nas dimensões que constituem o indivíduo e deve
ser objeto de constante reflexão, para que os alunos exerçam sua sexualidade
com prazer e responsabilidade. Esta prioridade educacional torna-se a luz de
análise mais aprofundada uma exigência na estipulação de objetivos na formação
humana, uma vez que nesta fase da vida do adolescente a construção de uma
consciência reflexiva e informada evitaria futuros desajustes e conseqüências indesejáveis
provenientes da ausência de uma orientação sexual adequada.
Sexualidade se aprende sempre, em todo
lugar. Desde o nascimento até a morte. Em cada gesto de afeto e ternura dos
pais, entre si e para com os filhos; em cada emoção vivida com intensidade; em
cada vínculo em que a intimidade abre caminho e se faz presente. Pois cada uma
dessas experiências nos molda, amadurece e enriquece e assim nos prepara para a
aventura misteriosa e mágica que é o encontro amoroso (ARATANGY,
1998, p.14).
A escola como
instituição formadora de cidadãos críticos e conscientes não pode abster-se
desse discurso e sim estar ciente das suas responsabilidades, procurando
superar os entraves e buscar alternativas práticas, vinculando-se com a questão
sexual de forma crítica e democrática, favorecendo sua socialização com os
demais adolescentes e trocas intensas de informações que influenciam na sua
conduta, pois o adolescente passa a maior parte do seu tempo na escola e a
sexualidade manifesta-se nas atitudes, no contato com o outro, nos gestos
obscenos, nos desenhos das carteiras e nas diversas formas em que há expressões
da linguagem.
Atualmente a sexualidade tem sido exposta de forma mais “aberta” nos
diversos meios de comunicação e discursos pessoais, mas essa aparente liberdade
sexual ainda esbarra em repressões e preconceitos.
Mas, paralelo a esta liberdade sexual, surge o sexo perigoso, diante do
qual se faz necessário alertar para os perigos advindos de uma prática sexual
sem cuidados, sem informações, como a gravidez indesejada, abortos realizados
de formas traumáticas e inúmeras doenças sexualmente transmissíveis – situações
que podem deixar seqüelas profundas tanto físicas como psicológicas.
O jovem de hoje ainda apresenta inúmeras dúvidas quando o assunto é
sexualidade e a escola, como entidade social, deve mergulhar nesse tema com
tantos conflitos e possibilidades de discussões visando construir o perfil do
educando melhor informado e agente de suas atitudes, não influenciado
diretamente pelos veículos de comunicação.
O adolescente apresenta uma vulnerabilidade especial
para assimilar os impactos projetivos de pais, irmãos, amigos e de toda a
sociedade. Ou seja, é um receptáculo propício para encarregar-se dos conflitos
dos outros e assumir os aspectos mais doentios do meio em que vive. Isto é o
que atualmente presenciamos em nossa sociedade, que projeta suas próprias
falhas nos assim chamados excessos da juventude, responsabilizando-os pela
delinqüência, pela aderência às drogas, pela prostituição, etc. (ABERASTURY, 1991,
p.11).
O adolescente é muito vulnerável, instável, passando por desequilíbrios
extremos, buscando sempre estabelecer sua identidade, conhecer a si mesmo, e é
nessa fase da vida dos indivíduos, em que a descoberta sexual é mais acentuada,
que se faz necessária uma abordagem mais preventiva.
A escola é o principal espaço organizado destinado à formação integral do
ser humano e ela tem que procurar meios de abordar a sexualidade de maneira
eficaz e positiva, enfocando o respeito do adolescente com seu próprio corpo e
o dos outros, fornecendo informações para que o adolescente possa planejar uma
vida sexual saudável.
As abordagens deste tema na forma de projetos interdisciplinares e
multidisciplinares têm trazido respostas significativas, pois incentivam a
pesquisa e utilizam uma pedagogia dialógica, que prioriza e respeita o
adolescente e seu modo de pensar, permitindo que se conheçam melhor e possam
expressar suas angústias e expor suas dúvidas.
Segundo Hernandez (1998), todas as coisas podem ser ensinadas por meio de
projetos, basta que se tenha uma dúvida inicial e que se comece a pesquisar e
buscar evidências sobre o assunto; os projetos de trabalho aproximam a escola e
o aluno e favorecem o olhar crítico e o espírito investigativo neste.
O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DA SEXUALIDADE DO
ALUNO ADOLESCENTE
O professor exerce um importante papel na sexualidade do adolescente,
pois a orientação sexual não consiste apenas em informar sobre sexo. Significa
também o contato entre as pessoas, a transmissão de valores, atitudes e comportamentos.
“Os professores (e as demais pessoas), mesmo sem perceber, transmitem valores
com relação à sexualidade no seu cotidiano, inclusive na forma de responder ou
não às questões mais simples trazidas pelos alunos” (BRASIL, 1998, p.302).
A maioria desses educadores não está
preparada psicologicamente para falar sobre sexo e nem possuem sua própria
sexualidade bem resolvida; acabam transmitindo em seu discurso a sua frustração
e inquietação.
O educador que se ocupar dessa tarefa – educação
sexual – necessita conhecer-se a si próprio, conhecendo a história do homem e
das sociedades através dos tempos. A isto poderíamos chamar de atitude socrática.
E neste sentido, as práticas amorosas e sexuais também se expressam, sendo elas
produtoras e produtos da história e da cultura (CABRAL, 1995, p.154).
A falta de capacitação de educadores acaba gerando discussões vazias que
não passam de reprodução do senso-comum ou até chegando a imposição dos
próprios valores morais e religiosos do professor carregados de julgamentos
preconceituosos e posturas pouco reflexivas.
O que ocorre hoje é a iniciativa tímida de algumas escolas na elaboração
de projetos que vêm alcançando resultados significativos, mas na maioria o assunto
é apenas tratado pelos professores de Ciências e Biologia que seguem somente o
conteúdo proposto pelo currículo, não oferecendo um espaço mais amplo para discussão,
não oferecendo oportunidade para os adolescentes exporem suas dúvidas e
angústias.
A orientação sexual consta nos Temas Transversais, que são constituídos
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e expressam
conceitos e valores básicos à democracia e à cidadania e propõe uma
maneira de amenizar a segmentação que se tem do saber humano, enfatizando que o tema deva ser abordado por todas as
disciplinas, cada área abordando esta temática dentro de sua proposta de trabalho.
Isso raramente acontece devido principalmente ao despreparo dos professores em
relação à abordagem do tema e ao currículo extenso que cada professor
precisa desenvolver em tempo hábil.
Para um consistente trabalho de
Orientação Sexual, é necessário que se estabeleça uma relação de confiança
entre alunos e professores. Os professores precisam se mostrar disponíveis para
conversar a respeito dos temas propostos e abordar as questões de forma direta
e esclarecedora, exceção feita às informações que se refiram à intimidade do
educador. Informações corretas do ponto de vista científico ou esclarecimento
sobre as questões trazidas pelos alunos são fundamentais para seu bem-estar e
tranqüilidade, para uma maior consciência de seu próprio corpo, elevação de sua
auto-estima e, portanto, melhores condições de prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e abuso sexual (BRASIL, 1998,
p.302).
Não basta o professor ter “boa vontade” em trabalhar a sexualidade; ele
precisa estar munido de ferramentas, de informações científicas, estar aberto
ao diálogo e livre de dogmas e preceitos religiosos para que possa transmitir
ao aluno uma visão positiva da sexualidade, uma necessidade natural da
preservação do seu corpo para que essa sexualidade seja exercida de forma
saudável e prazerosa e seja sinônimo de uma melhor qualidade de vida.
EXPERIÊNCIA REALIZADA EM UMA ESCOLA ESTADUAL DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO
PAULO.
Algumas escolas conseguem
obter destaque no trabalho que realizam abordando a sexualidade. Dentre elas, a
escola que foi objeto de estudo e pesquisa deste artigo é um exemplo onde o
verbo pode ser transformado em
vida. Vários projetos realizados obtiveram destaque, os quais
são coordenados pela autora deste artigo.
Em 2006, o Projeto Sexualidade,
desenvolvido na escola de forma interdisciplinar participou do concurso
nacional “Paulo Freire – Mestre Cidadão”, organizado pela APTA (Associação de Prevenção
e Tratamento da AIDS), e foi classificado em 8° lugar em nível nacional e 3° em
nível estadual, sendo premiados os dez melhores trabalhos realizados por
escolas públicas e particulares e selecionados por um júri composto de
professores e profissionais da saúde e publicado em uma revista de circulação
nacional que contou a história dos dez projetos escolhidos, com o objetivo de
incentivar aqueles de prevenção às DST/AIDS e vulnerabilidades adjacentes, como
a sexualidade precoce e a gravidez não planejada.
Em 2007, um vídeo produzido pelos alunos da 8ª série sobre o aborto foi
utilizado pela igreja católica e exibido em um telão durante uma passeata
contra o aborto e a favor da vida, divulgando o trabalho dos alunos para toda a
comunidade, fornecendo informação e favorecendo uma interação positiva entre a
escola e a comunidade. Esses mesmos alunos já acompanharam a autora deste
artigo em algumas palestras sobre sexualidade para adolescentes, tornando-se
assim multiplicadores de ações preventivas.
Apesar de detectado êxitos em projetos desenvolvidos de forma
interdisciplinar, alguns professores ainda apresentam resistência ou
dificuldades na abordagem do tema, de acordo com as entrevistas realizadas
nesta escola.
Foram entrevistados cinco professores de áreas distintas: (Artes,
Matemática e Geografia), que expressaram suas opiniões nas seguintes questões:
1) No seu
cotidiano escolar aparecem questões relacionadas à sexualidade humana? Se houver,
quais?
2) Você, como
professor, encontra alguma dificuldade para lidar com questões voltadas à
orientação sexual?
3) Na escola que
você atua, acontece algum tipo de formação/orientação referente à sexualidade?
4) Você acha que
o professor deve ter algum tipo de preparação em sua graduação para lidar com a
orientação sexual? E na formação continuada?
5) Como você
acha que deveria ser feita a orientação sexual na escola? Por quem? Como?
6) A orientação
sexual está prevista para ser abordada na transversalidade? O que você acha disto?
Ela ocorre dessa maneira?
7) A mídia
influencia em sua prática/rotina escolar?
8) Teria mais
alguma coisa que gostaria de colocar referente ao assunto?
A maioria dos professores entrevistados relata que, apesar de não terem
problemas para abordar a sexualidade em sala de aula, não se sentem preparados
para a abordagem do tema de maneira eficiente, apesar de concordarem que a
sexualidade está presente no dia-a-dia da sala de aula, nas atitudes, nas
conversas e até durante as brigas, pois hoje a mídia influencia a precocidade
dessa sexualidade. Destacam que necessitam de subsídios e cursos que os
capacitem para isto, pois este tema não foi trabalhado durante seu processo de
formação acadêmica. Acreditam que a sexualidade deva ser abordada por alguém
capacitado, como os professores de Ciências ou Biologia.
Sobre a abordagem na transversalidade, todos relatam que está presente
nos planos de ensino propostos no início do ano letivo e sabem da sua
importância, mas que essa abordagem dificilmente ocorre, pois além da falta de
preparo e de ser extenso o currículo a ser cumprido, este é cobrado pelo Estado
nas avaliações externas (Saresp, Prova Brasil, Olimpíadas), ou seja, não há
brechas para a abordagem do tema.
INTERVENÇÕES EM
ÂMBITO PEDAGÓGICO : SUBSÍDIOS, FORMAÇÃO E ESTRATÉGIAS
A princípio, faz-se necessário um resgate das diversas metodologias
utilizadas pelos educadores e a verificação das principais dificuldades que
eles apresentam na aplicação deste tema, para que essa abordagem aconteça de
maneira mais contextualizada, pois o professor é um elemento importante em sua
ação pedagógica, na orientação sobre a sexualidade.
O governo deveria propiciar mais capacitação aos professores junto as
Secretarias de Educação, fornecendo subsídios para os professores que se
sentissem preparados para enfrentar esse desafio e fossem movidos pelo desejo
de aprender e ensinar a vivência da sexualidade de forma prazerosa e
responsável, livre de preconceitos e tabus.
O que falta aos jovens, como indica o
estudo da (OMS) são espaços para conversarem e refletirem sobre as informações
que recebem, sobre suas dúvidas e dificuldades, com pessoas experientes e mais
bem informadas. Aliás, vários professores colocam que um dos desafios da
atualidade é saber como conscientizar os jovens e não somente informá-los, pois
já sabemos que informação sozinha não muda comportamento (GONÇALVES, 2000,
p.34).
Diversas metodologias podem ser utilizadas para trabalhar a sexualidade e
o resultado que esse tipo de trabalho tem trazido é surpreendente para o
processo ensino-aprendizagem.
Uma alternativa seria abordar o tema na forma de projetos, no coletivo da
escola, dentro da proposta curricular de cada disciplina de forma
interdisciplinar ou multidisciplinar, com o planejamento de atividades e ações
educativas, propiciando melhores condições para a escola organizar os temas a
serem discutidos, as metodologias e materiais a serem utilizados e as parcerias
possíveis, podendo prever as dificuldades ao longo do percurso, conseguindo
assim um sucesso maior na obtenção dos objetivos propostos, “... os projetos de trabalho representam uma maneira de
entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão, o que
implica que os alunos participem de um processo de pesquisa que tenha sentido
para eles...” (HERNÁNDEZ, 1998, p.30).
O projeto pode surgir a partir de um problema local como: altas taxas de
gravidez entre as alunas, a presença de portadores do HIV, o alto índice de
prostituição infantil na cidade ou região, o preconceito sofrido pelos alunos
homossexuais da escola etc. São inúmeros os temas que podem ser abordados, mas
a contextualização do tema é fundamental para o engajamento e interesse dos
alunos para o desenvolvimento do projeto.
As dinâmicas de grupo, facilmente encontradas em manuais especializados
ou sites, são interessantes estratégias que poderão ser utilizadas e
desenvolvidas pelo professor, visto que promovem uma integração entre a classe
e o professor e através do lúdico os adolescentes se sentem mais à vontade para
exporem suas angústias e trocarem experiências.
Palestras e entrevistas com especialistas dão subsídios ao trabalho do
professor e favorecem a interação comunidade-escola, tão necessária nos dias
atuais, dando assim mais credibilidade ao projeto. Entretanto Vitiello (2000,
p.96) ressalta que: “O caminho real para a educação sexual não é levar
profissionais às escolas, mas sim preparar professores interessados para a
tarefa de fazê-la”.
A análise e discussão de músicas e vídeos educativos favorecem a
contextualização e são metodologias atraentes para o adolescente; bem
exploradas, constituem uma ferramenta viável, uma vez que é próprio desse grupo
se identificar com essas formas de expressões e entretenimento.
Vitiello (2000) afirma que a educação sexual, no seu sentido mais amplo,
deve ser sistemática e que só a família e a escola podem cumprir esse papel,
atuando de maneira contínua e duradoura, desde que essa orientação seja exercida
por pessoas com as quais os adolescentes
se identificam.
Diversas metodologias podem ser utilizadas com sucesso para trabalhar a sexualidade,
basta que o coletivo da escola seja sensibilizado para trabalhar com o tema e
que a família também seja orientada e esteja ciente das etapas e objetivos do
projeto para que possa ser uma aliada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema sexualidade vem
progressivamente ganhando mais espaço dentro da mídia e da vida das pessoas e a
escola como instituição social tem sido cada vez mais convocada a enfrentar as
questões relativas a ele.
O trabalho em orientação sexual não precisa necessariamente ser
desenvolvido pelo professor de Ciências ou Biologia, mas por qualquer professor
que se sentir apto a exercer tal função, que tenha uma boa proximidade com os
alunos, interesse pelo tema e em estar revendo constantemente sua postura e
atualizando seus conhecimentos.
É preciso que seja feito um acompanhamento mais detalhado nas escolas
pelos coordenadores pedagógicos, sendo eles importantes integrantes do processo
ensino-aprendizagem que se efetua nas escolas, e através dos problemas
levantados proporem soluções possíveis, adequando a abordagem do tema de acordo
com a realidade de cada escola.
A família também precisa ser preparada e ouvida e a escola deve fornecer
meios para que isto aconteça. Isso deve ocorrer por dois motivos: primeiro,
porque a família é a primeira e principal responsável pela educação sexual de
seus filhos; segundo, porque mais prejudicial que a presença de uma mídia que
banaliza o sexo e a erotização precoce é a ausência de diálogo com os pais.
Nessa perspectiva, acredita-se que o caminho para abordar o tema
sexualidade de maneira efetiva se faz através da interação da escola com a
família, pois são as duas principais instituições responsáveis pela formação do
educando e de seus valores humanos, e essa relação precisa ser repensada.
Hoje a discussão sobre a vulnerabilidade adolescente se
faz necessária no âmbito escolar, haja vista que o jovem inicia muito cedo a
prática sexual e o professor tem que estar consciente e munido de estratégias
para transmitir aos jovens uma visão positiva da sexualidade, viabilizando que
ela seja exercida de forma plena e saudável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Uma Introdução ao estudo da Psicologia. 13
ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
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pluralidade cultural, orientação
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CATONNÉ, J. P. A sexualidade ontem e hoje. São Paulo: Cortez, 1994.
GONÇALVES, Elisabeth Maria Vieira et al. Fala Educadora!
Fala Educador! São Paulo: Laboratório Organon, 2000.
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saber. 18 ed. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1988.
FREUD, Sigmund. Obras
psicológicas completas de Sigmund Freud:
Um caso de histeria; Três ensaios sobre a
sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
HERNANDEZ,
Fernando. A organização do currículo por
projetos de trabalho: o
conhecimento é um caleidoscópio. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
VITIELLO,
N. Sexualidade: quem educa o
educador: um manual para jovens e
educadores. 2 ed. São Paulo; Iglu,
2000.
[1] Trabalho Final de Curso Clínica do Centro de Ensino
Superior de Tupi Paulista – CESTUPI - apresentado em dezembro de 2008 sob
orientação da professora especialista Christiane Patuto Kovaleski.
[2] Professora efetiva de Ciências
e Biologia da rede pública de ensino do Estado de São Paulo; Professora de
Ciências Naturais e Tópicos em Educação do Instituto Superior de Educação de
Junqueirópolis – SP; Pós-graduanda em Psicopedagogia
Institucional e Clínica do Centro de Ensino Superior de Tupi
Paulista – SP; mfcrribeiro@hotmail.com.
[3] Cortesãs de boa educação da Grécia antiga. Eram independentes
e poderiam gerir seus próprios bens.
[4] O termo pederastia designa a atração sexual primária entre homens adultos
e adolescentes e pré-púberes. Por extensão de sentido, o termo é modernamente
utilizado para designar a prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem
ou, por extensão do sentido, qualquer relação homossexual masculina.
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